sexta-feira, 18 de junho de 2010

A CASA VAZIA


Não suporto obituários por causa daquele sinal de trânsito que diz De mortuis nihil nisi bonum, "dos mortos, nada se diga que não seja bom". Não se deduz do que se escreveu que o escriba pretenda dizer mal de Saramago. Ou que, pretendendo tal, pruridos morais e aforismos latinos o impeçam.

Não, a este morto, a este belo morto, há apenas que levantá-lo do chão sobre a porta agora inútil da casa que habitou e que jamais voltará a ser habitada: a casa das suas palavras. Das palavras escritas, esse jorro vital, esse sangue a espirrar das veias de um país que parecia não as ter. Das faladas: corajosas, frontais, embora uma por outra vez precipitadas, uma por outra vez injustas, desajustadas. Mas um homem é feito de muitas peças.

Agora ouvimos os tenores da comunicação social: de génio para cima. "Génio", a mesma palavra que usam para os chutadores de bola. E ouvimos os "Júlios Dantas" do novo Estado Novo: lágrimas, suspiros, um ou outro arroto. Em plano de citação, sonegam as suas obras mais comprometidas com este Povo e esta Terra: no Levantado do Chão, nem com pinças pegam. Apontam, com o dedo sujo, para o que julgam ser esoterismo na obra de Saramago. Parolos.
Marcelo (Rebelo de Sousa) descobre no no ateu militante (Evangelho...) uma espécie de busca dde Deus. E por aí fora, connerie atrás de connerie. O que dirá, ou pensará, ou grunhirá agora o situacionista Lobo Antunes, invejoso militante? Tretas, bagatelas. Ou talvez se cale, embora continue sem entender.

Saramago não seria o meu prémio Nobel da Literatura portuguesa. Nem por isso amei menos o que escreveu. Bem, nem tudo, há que ser honesto para quem honesto foi em vida. E este nó na garganta, diz-me que essa casa de palavras que habitou vai ficar vazia para sempre. Só acontece com os verdadeiros, com os que morrem tentando sempre, camarada.

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