sábado, 26 de junho de 2010

O REI COXO E O 1º IGNORANTE DA NAÇÃO


Era uma vez um país que tinha um rei coxo de uma das pernas. Ser coxo num país em que quase toda a gente anda com as duas pernas, não é nenhuma ofensa, a não ser para um rei que além de coxo, coisa de que não tem culpa, é invejoso e estúpido. De modo que o o facto de que raros dos seus súbditos coxeassem, trazia-o sem dormir. Então, para resolverem o problema do rei, os conselheiros do Estado publicaram um decreto que obrigava todos os cidadãos a coxearem de uma perna. E todos, todos, desde varredor das ruas até ao meirinho-mor, ao preboste e ao primeiro ministro, passaram a arrastar uma das gâmbias.

Um dia a polícia política detectou uma excepção: um camponês que não coxeava. Levado à presença do rei sob ameaça de ser enforcado, o pobre homem explicou:

- Saiba Vª Alteza que sou, dos vossos súbditos, o que melhor coxeia, pois enquanto eles, tal como Vª Alteza, coxeiam apenas de uma perna, eu coxeio das duas.

Não sei como continua a história. Sei que há um país em que um 1º ministro claramente inculto, enormemente ignorante e duvidosamente instruído, resolveu, com os outros governantes, mandar fechar todas as escolas com menos de 21 alunos. O que se deduz é que não queria que ninguém fosse menos inculto, menos ignorante e menos duvidosamente instruído do que ele. Haverá decerto outras razões, mas estas três saltam aos olhos.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

MISÉRIA DO JORNALISMO


O artigo de Baptista-Bastos hoje (23 de Junho) no "Diário de Notícias", parte criticamente do editorial de um outro jornal (cujo título não menciona) onde um feliz editorialista proclama que Saramago "Esteve, muitas vezes, do lado errado da História". Baptista-Bastos dá forte e feio, mas com a elegância que lhe é habitual, no javardo.

Esta ideia de que alguém está do lado certo ou errado da História é própria de pesporrente desses que habitam o caldo sujo, submisso e cobardolas que é, em boa parte, o panorama do jornalismo em Portugal e praticamente em toda a Europa. Os media são, salvo raras excepções, um mero prolongamento do capital dominante. Livre empresa não é o mesmo que imprensa livre.

Seria curioso saber o que é que a insigne cavalgadura que pariu a frase entende por "lado certo" da História. Aquele em que se "está", ou aqueloutro para que se "muda" a fim de não perder o comboio, de abarbatar o tacho, de enfiar o colarinho na comenda? Estava errado Cristo? Errados os fuzilados durante a resistência? Estavam certos os fariseus? Certos estariam os nazis? Certos os pides? Certos os inquisidores?

Só um imbecil se pode substituir à própria História taxando de certo ou errado o lugar de quem nela entra. Só um triste calhorda.

"Certo, "errado", são juizos pobremente valorativos, elocubrações vazias a que se entregam, ainda zonzos, os vencedores ou os que por vencedores se tomam.

Assim, com o que disse ou fez, Saramago terá estado muitas vezes do lado errado. O engenheiro Mário Lino terá estado errado quando teve ideais, e certo quando se mudou para abichar o tacho. O Sócrates que a democracia grega assassinou, estava decerto errado, a prova é que o mataram. O Sócrates português e engenheiro (dizque), deve estar no lugar certo da História. A prova é que quem mata é ele. O País. De fomes várias.

Ah, miséria do jornalismo!...

segunda-feira, 21 de junho de 2010

O VATICANO E SARAMAGO


Ninguém esperava que no Vaticano se dessem saltos de alegria pela morte de Saramago. Ao fim e ao cabo os cavalheiros acreditam na Eternidade e em Deus. Acreditam que Deus é infinitamente bom e que assim sendo, o pobre Saramago, quer queira quer não, lá vai ter que ocupar o seu lugar nas celestes pradarias. Esperemos que bem sentado e com boa luz para ler os periódicos que lhe levem novidades cá do vale de lágrimas em que andamos.

Efectivamente o Vaticano não saltou de alegria, não vimos subirem e descerem as saias das Eminências.

O que verteu, foi ódio, o ódio que quase sempre oferece aos que não partilham do espírito do rebanho, aos que entendem que a salvação ou se faz neste mundo ou nunca se fará.

O cavalheiro que escreve um obituário no Osservatore Romano, porta voz da Santa Sé, acusa Saramago de ter tido a mente "sempre ocupada" por "um materialismo libertário (...) que cada vez mais se radicalizava à medida que ia avançando (Saramago) em anos".

O pobre peniculário nem se deu conta do elogio que fez ao Escritor. Porque radicalizar-se é exigir que os ideais que se transportam ganhem raízes. Exigir que as fomes e sedes (de Justiça e não só) de que falam os Evangelhos, sejam satisfeitas e não iludidas. Que "deixai vir a mim as criancinhas" é assumir a defesa dos fracos, dos desprotegidos, e não outra coisa. Etc.

Nem sempre estive de acordo com certas formulações de Saramago, inclusive no que refere a temáticas religiosas. Penso que certos ímpetos seriam melhor aplicados em causas mais urgentes. Mas isso é opinião minha, não tem valor.

Tal como penso que as vaticanas fúrias, bem vistas as coisas, podiam ser melhor aplicadas noutros sítios. Lá por casa, por exemplo.

E enquanto não se resolvem, Eminências, deixem em paz quem não acredita. Deus, ou o Supremo Arquitecto, ou lá quem é, se existir, fará as contas com os réprobos. A Inquisição não resolveu nada. Nem sob a antiga, nem sob novas formas.

BANDOLÉÉÉÉÉÉÉRO! (& CIA)


A Visão de 17 de Junho corrente anuncia que o ex-PR dr Soares vai ser mais uma vez homenageado. A este homem não há comilança que o tape. E lá vai ele de esbórnia a convite da Câmara Municipal de Arcos de Valdevez (25 a 27 de Junho).

Há quem tenha nascido de cu para a lua. É o caso. Há dias alguém chamou a atenção do amigo de Mitrand para o estado em que está a que o país desde que sua Excelência o atirou para o merdeiro da UE, e S. Exª respondeu que se não tivéssemos entrado na Europa connosco ainda seria pior.

Soares ou não sabe o que diz ou ou toma-nos por imbecis: somos o país que está pior, o país que tem pior poder de compra da UE, o país com maior número de pessoas na miséria. Pior que a Grécia. Pior que Chipre. É oficial. Parece que piorzinho piorzinho só as polónias, as letónias, etc... Mas essas têm o que querem... e com benção papal!

Ah, na esbórnia de Valdevez, aparece o Gorbas por videocoferência e o Carlucci da CIA manda mensagem.

Ir, ir mesmo, vai a presidencial criatura de Soares, o Dr. Fernando Nobre. Esse vai de folia, coitado. É sina das Ongs andarem atrás das Fundações...

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A CASA VAZIA


Não suporto obituários por causa daquele sinal de trânsito que diz De mortuis nihil nisi bonum, "dos mortos, nada se diga que não seja bom". Não se deduz do que se escreveu que o escriba pretenda dizer mal de Saramago. Ou que, pretendendo tal, pruridos morais e aforismos latinos o impeçam.

Não, a este morto, a este belo morto, há apenas que levantá-lo do chão sobre a porta agora inútil da casa que habitou e que jamais voltará a ser habitada: a casa das suas palavras. Das palavras escritas, esse jorro vital, esse sangue a espirrar das veias de um país que parecia não as ter. Das faladas: corajosas, frontais, embora uma por outra vez precipitadas, uma por outra vez injustas, desajustadas. Mas um homem é feito de muitas peças.

Agora ouvimos os tenores da comunicação social: de génio para cima. "Génio", a mesma palavra que usam para os chutadores de bola. E ouvimos os "Júlios Dantas" do novo Estado Novo: lágrimas, suspiros, um ou outro arroto. Em plano de citação, sonegam as suas obras mais comprometidas com este Povo e esta Terra: no Levantado do Chão, nem com pinças pegam. Apontam, com o dedo sujo, para o que julgam ser esoterismo na obra de Saramago. Parolos.
Marcelo (Rebelo de Sousa) descobre no no ateu militante (Evangelho...) uma espécie de busca dde Deus. E por aí fora, connerie atrás de connerie. O que dirá, ou pensará, ou grunhirá agora o situacionista Lobo Antunes, invejoso militante? Tretas, bagatelas. Ou talvez se cale, embora continue sem entender.

Saramago não seria o meu prémio Nobel da Literatura portuguesa. Nem por isso amei menos o que escreveu. Bem, nem tudo, há que ser honesto para quem honesto foi em vida. E este nó na garganta, diz-me que essa casa de palavras que habitou vai ficar vazia para sempre. Só acontece com os verdadeiros, com os que morrem tentando sempre, camarada.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

O PESADELO ESTÁ DE REGRESSO


O trabalho na unidade da Siemens era obrigatório para todas as prisioneiras independentemente da classificação que tivessem, da idade ou do estado de saúde. Mediante o acordo celebrado com o governo, a indústria pagaria ao comando do campo trinta centavos de marco por mulher-dia, sem que isso implicasse qualquer forma de remuneração às prisioneiras. As indústrias que, para preservarem a sua imagem internacional, preferissem não instalar fábricas dentro do campo de concentração, não tinham por que se preocupar: as SS encarregavam-se de transportar os prisioneiros até à sede da empresa. Foi mediante contratos como o da Siemens que a fábrica da Bayerischen Motorenwerke, que produzia os veículos BMW, utilizava 220 presos alugados pelo campo de concentração de Buchenwald; a indústria de lentes Zeiss-Ikon alugava 900 homens do campo de Flossenburg; a siderúrgica Krupp, 500 presos de Buchenwald, a indústria de veículos Daimler-Benz, fabricante dos luxuosos automóveis Mercedes-Benz, 110 presos de Sachsenhausen; a Volkswagen, 650 prisioneiros de Neuengamme..." (1)



Tudo isto se passava no tempo de Hitler, do nazismo. Hoje, o pesadelo que foi derrotado em Stalingrado está de regresso. Ou quase. Com a chanceler da Alemanha (e outros da sua igualha), a Europa, pelo menos a Europa pobre e morena do Sul, está à beira de tornar-se um imenso campo de concentração. "Fhürer" já nós temos.





(1) Fernando Morais in Olga, ed. Schwarcz Ltda. São Paulo, Br.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

CRÓNICA FAMILIAR (2)


DE CATECÚMENO A ENERGÚMENO


1948, creio. A perseguição política tinha levado a família a Angola, a um relativo sossego. Os meninos da foto, aliciados por uma velha senhora simpática e beata, tiveram, com amigos pretos, pardos, brancos e uma indiana bonita que se chamava Edna, a sua catequese.

Aqui na foto acabam de fazer a primeira comunhão. O padre Emilio, que está no meio, ri-se porque o miúdo, por causa do sol forte, não é capaz de olhar para a lente da Zeiss Ikon 1933 (ano de maus presságis). O Padre Emilio era suiço. Um dia ouvi-o dizer ao meu pai que não percebia que pecados podia cometer uma criança. Nesse dia comemos leitão assado no forno da nossa casa. Eu nunca tinha comido e enjoou-me um pouco.

Meio ano depois veio outro padre, também estrangeiro, fazer-nos a confissão. Tinha beiços grossos, barbas compridas e cheirosas. Perguntou ao miúdo: "... e também fazes coisas feias com as meninas?" O cachopo respondeu que não. Mentiu, ou não sentia que essas descobertas primárias do erotismo que os humanos levam dentro de si, fossem "coisas feias". Em África respira-se de outra maneira, com ou sem religião.

E essa foi a penúltima confissão do moço, a sua penúltima comunhão. A última, ultiminha, seria compulsiva, sob ameaça de palmatoadas e/ou expulsão do colégio interno já no doce e ridente Portugal. A ocasião era uma missa por intenção da rainha D.Amélia cujos restos mortais tinham sido extraditados para Portugal por intercessão do Salazar.

No vazio que se fizera dentro do pequeno, começava o catecúmeno a transformar-se em energúmeno, como acontece aos lobisomens nas noites de lua cheia. Até hoje. Sem arrependimento nem remorsos.



[ Merci, Georges Brassens et au revoir!]

terça-feira, 15 de junho de 2010

RES PUDICA


Faz cem anos e é um ver se te avias a comemorá-los. Esta senhora que aí está, de perfil, é a tal República. Penso que ficava melhor chamar-lhe, Res Pudica uma vez que tem os seios impantes e maternais de Grande Mãe devidamente aconchegados no seu drapejamento de bronze. Se calhar foi por isso que o leite da bondade republicana nunca chegou ao povo, nunca matou fomes. Pudica também porque da cintura para baixo não mostra nada, nem o avental com aqueles esquadros, compassos e coisas dessas, símbolos de quem dela se apoderou.
Também no que refere as comemorações.

Esta República que uns tantos comemoram à tripa forra e à barba longa do novo Estado Novo, não é a dos homens humildes e pobres que nos primeiros dias depois do 5 de Outubro de 1910 fizeram guarda firme às portas dos Bancos e quejandas instituições da Burguesia.

Esses ficaram para trás, esses que a Reública de dezasseis anos tratou a tiro e a chanfalho nas ruas, porque, dizia um dos seus mais altos próceres, "A questão social é uma questão de polícia". E para isso fundaram eles a Guarda Nacional Republicana. Com carícias mais requintadas ainda trataria a república fascista os trabalhadores.
Ainda a propósito de comemorações e dos "seios impantes" de que se falou ali acima... Um escultor situacionista, João Cutileiro, "considera", segundo um jornal "que é a altura de fazer um novo busto alegórico da República". A quem o dizes: são cem anos, para uns tantos, a mamar.

sábado, 12 de junho de 2010

VIVA, MEU GENERAL


Verão de 2004. O Miguel Urbano deu-me o número e disse-me: telefona ao General e pede-lhe que apareça. Tive as minhas dúvidas. Só conhecia Vasco Gonçalves de vista, quem era eu para me atrever a convidá-lo para o lançamento, no Museu da República e da Resistência, do livro do Henri Alleg, "La Question" ("A Questão") que eu tinha traduzido e prefaciado para o meu amigo Zé O de Os Mareantes, uma pequena editora com publicações de qualidade e que entretanto se foi à bolina na voragem do regime socrático.

Telefonei. O meu General agradeceu e disse: "Está bem. Eu Vou".

Na sessão do dia seguinte pela primeira e a última vez conversei com aquele homem educado, inteligente e culto. Nada a ver com os faiantes que ora governam esta grei. Vi humedecerem-se muitos olhos. A gente que ali se lhe dirigia sabia com quem tratava: um dos poucos homens honrados que alguma vez nos governaram. Alguém que sempre e acima de tudo colocou os interesses do País e do Povo.

O Henri Alleg que passou por tanta coisa terrível, estava tão comovido como nós. Da mesa a que presidia, falava muitas vezes como se se dirigisse ao general. O Urbano Tavares Rodrigues dava uma ajuda e grande. Foi, para mim, uma tarde memorável.

Ontem, quinto aniversário do seu falecimento, dei volta a uma papelada que guardo sobre os primeiros tempos do 25 de Abril. Jornais e coisas assim. Que continham também, fique o registo, os insultos da pandilha reinante & associados. Nada que não seja "normal".

Mas nós não nos esquecemos de si, meu General.
(A foto do Companheiro Vasgo foi gamada do blogue Causas da Julia. Obrigado, Júlia Coutinho)

sexta-feira, 11 de junho de 2010

OS PROFESSORES DE TABUADA


Será que as escolas fazem falta nesses brejos onde a capacidade reprodurora do cidadão não consegue apresentar mais de 20 reses?
Não fazem. A criança bem alimentada, inserida no conforto de uma famíla bem estruturada e sem problemas económicos - como é caso comum neste paraíso socretino - pode muito bem aguentar nove, dez, doze horas fora de casa. Pode levantar-se às seis ou sete da manhã e regressar a casa doze ou mais horas depois. Com vantagens: moída de viagens pode ir logo para a cama. Dorme, não faz maldades e talvez se poupe um jantar.
O "professor de tabuada" que hoje governa Portugal, julga que nem sequer é preciso ir à escola ou à universidade ou lá o que é, para se ser senhor do título e agregada sabedoria. Basta mandar um paquete do ministério ou um boy do partido com o trabalho que se diz que se fez e o cambalacho está fechado. O dinheiro do Estado não é para sustentar vícios.
O Salazar abriu prisões, fechou uma ou duas escolas, mas fechou também os bordeis. Este nosso coevo professor de tabuada, está a fechar escolas e vai ter que abrir mais prisões porque o portuga não é parvo irrecuperável.
Abrirá também bordeis?

sexta-feira, 4 de junho de 2010

ZÉZINHA


Apareceu por esta "ajudengada rua da Cardia", como lhe chamou Aquilino, a apontar os olhitos espantados a coisas e gentes, a fazer-se amiga deste e daquele. O trânsito é quase sempre parco e ela, rápida e subtil, lá se vai safando.
Cada vez mais aventureira, foi cheiriscando portas e intimidades. Foi entrando. A ousadia deve ter-lhe sido esfogueteada pela barriguita pesada: às prenhas não há comida que as tape.
Os vizinhos, boa gente, foram-na apajeando, dão-lhe comida, carícias e um nome: Maria José. Mas toda a gente a trata por Zézinha. Já houve quem a quisesse adoptar para sempre, mas ela não esteve pelos ajustes. Felino é felino, regras só as suas.
Carregando a sua descendência, lá vai tomando conta da rua, enrodilhando os corações.
Até que um dia.